quarta-feira, 25 de maio de 2016

na outra margem...

Ela finalmente fechou os olhos.
E isso representava tanto.
Permitiu-se.
Entregou-se àquela pequena euforia sem reservas.
Descobriu que a entrega precisava de sentido, de significado.
Só assim ficava vazia de medos.

Ia sendo conduzida pela água, o cabelo longo, disperso, deslizando enquanto desenhava espirais que pareciam redemoinhos minúsculos enfeitando a superfície.
Ele sabia que ela estava cansada de ser devorada pela tristeza e que precisava de um bom motivo para voltar a acreditar, então, sem saber o que fazer, cantou no ouvido dela. Não uma música inteira. Escolheu só as palavras pontuadas de afeição.
Ensinou-a a existir dentro dos gestos.
Aos poucos ela foi cedendo, os corpos amolecidos foram sendo atravessados por gemidos, sussurros e palavras sem bordas.

Em um par de minutos ela já queria ser perfume na pele dele.
E não estar mais alheia aos afetos.
Ele soube riscar um circulo na água em torno do corpo dela, e guardá-los ali.
Apresentou-a ao bom silêncio.
E ela finalmente fechou os olhos.

Ela ainda tinha sim, medo da quietude da água e de seus abismos, mas percebeu que na outra margem
o amor podia ser possível.

Solange Maia

(fotografia de Henri Cartier Bresson - ITALY - 1933)

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