quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
fome é outra coisa...
Quando ele cozinhava, era imagem icônica,
quase esfinge.
Algumas vezes era ele mesmo, em outras não
era ninguém.
Seu compromisso nunca havia sido com a nutrição,
era o desejo que o seduzia.
Nada acrescentava sem antes envolver no
côncavo de suas mãos. Precisava sentir a textura, a forma, a temperatura.
Era um alquimista sensorial. Fazia de seu
ofício um despertar de sensações.
Depurava, reduzia, misturava. Ultrapassava o
paladar.
Sua pretensão era provocar espasmos, encantamentos,
fragmentar a respiração, parar o tempo.
Sabia que o segredo era avivar os sentidos. Devolver
prazeres tão esquecidos.
Aplacar a fome era consequência.
Todas elas.
Pertencia às pessoas e precisava quase nada
além disso.
Era bruxo, holístico, e cozinhar era sempre
encurtar o caminho até o outro.
Longe de ser cartesiano, fazia do seu ofício sempre
uma presença inefável.
Aprendera faz tempo que vontade de comer se
mata fácil, com a boca.
Mas não satisfaz.
Não a ele.
O negócio dele era satisfazer a fome.
E fome, fome é algo bem maior...
Solange Maia
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